quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Alice no país do SUSto

Autor: José Ricardo Corrêa Maia
Quando alguém com transtorno mental, tais como transtorno bipolar ou esquizofrenia, é acometido por uma crise psicótica faz com que ele e sua família iniciem uma aventura num mundo totalmente desconhecido, assim como Alice no país das maravilhas.

Então, pode-se dizer que paciente e sua família representam a Alice que ao cair na toca do coelho sofre um enorme susto, que se transforma em pânico e desespero quando esta crise vem acompanhada de violência verbal e física.
Nesta metáfora, o coelho branco com sua constante pressa representa o tempo. Tempo este escasso para a família, em virtude da necessidade de apoio mais ágil nestas emergências.

Entretanto, Alice encontra pelo caminho o Gato com muitas palavras, mas pouca ação para ajudar, que é o SUS e a Lei 10.216 que se refere ao tratamento destes pacientes. Esta lei tenta humanizar o tratamento, mas até que ponto é factível? Acaba se tornando mais uma lei apenas no papel porque muitas cidades brasileiras ainda não possuem a estrutura exigida por ela.

Nesta jornada, consegue-se após muita "luta" a internação num hospital, mas em questão de horas a crise é temporariamente controlada e o paciente recebe alta, sendo liberado. Ocorre que algumas vezes em função do estigma social, ele se nega a aceitar que sofre algum transtorno. Isso acaba sendo um risco para a família e a sociedade, por não aceitar a medicação, por exemplo. Vale salientar que este mundo é completamente fora do normal e que estas pessoas têm visões e ouvem vozes que podem fazer a crise retornar mais rápido que o normal. É como se fosse o Chapeleiro e a Lebre a confundir a Alice.

Quando a família tem o mínimo de condições financeiras, pode contar com tratamento e apoio do corpo clínico de hospitais particulares, o que faz lembrar o Rei de Copas, sempre protegendo a pequena e assustada Alice. Mas, até quando se consegue manter o paciente num estabelecimento particular? E quem não tem condições financeiras?

Na verdade, Alice vive a apreensão e a preocupação ao conviver com a Rainha de Copas, que a qualquer momento pode cortar cabeças, isto é, pode surgir uma nova crise, ainda mais violenta. O que é muito sofrimento e muita perplexidade ter que passar por esta situação por mais de uma vez.

Na história de Lewis Carroll, a Alice consegue escapar da Rainha de Copas e deste mundo, voltando a viver na normalidade em sua casa. Infelizmente, na vida real alguns destes pacientes por causa do rótulo, preconceito e da dificuldade de sociabilização por parte de ambos (paciente e sociedade), não conseguem ter o mesmo final feliz.
Nos casos mais leves ou nos quais há aceitação do problema por parte do paciente, pode-se fugir deste mundo desde que se tenha o suporte previsto, que é chamado de atendimento psicosocial.

A poção mágica que pode salvar a Alice, tanto o paciente quanto a família, é o conjunto de: informação, compreensão, tolerância, respeito e um suporte devidamente estruturado por parte do Estado.

Esta discriminação da sociedade deve acabar e a vergonha da família também.

Há esperança que um dia os governantes, sem precisar passar por estes momentos trágicos, despertem e saiam do país das maravilhas em que vivem e estruturem o país do SUSto no qual Alice está vivendo hoje. Lembrando que estes governantes são eleitos e não impostos e desta forma o cidadão e eleitor pode mudar o final da história.

Publicado em Recanto das Letras.

Um comentário:

  1. Anônimo31/1/09

    O texto é ótimo e quem tem conhecido nesta situação há de concordar que é a mais pura verdade.
    Seria interessante circular na mídia.

    Parabéns!

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