quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

(In)segurança pública

No Brasil, acumulam-se os casos de impunidade contra os crimes cometidos por aqueles que deveriam promover a segurança pública. Perseguições, agressões, espancamentos, mortes envolvendo policiais fazem parte da rotina dos noticiários. Mas não são somente os policiais que cometem abuso de poder. Pessoas dotadas de capital econômico e de capital social são consideradas autoridades em potencial neste País e, como tal, lhes é permitido comprar a Justiça, passando por cima da Constituição e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A posição social conferida pela condição econômica ou vice-versa a setores sociais neutraliza os princípios da igualdade em direitos e promove uma hierarquização de valores a serem absolutizados no contexto da sociedade dividida em classes.
Como não são discutidas as causas da violência - porque, se assim fossem, medidas deveriam ser tomadas e talvez não agradassem à parcela social que se distingue por seu estilo de vida autônomo -, atacam-se os seus efeitos. O próprio Estado, responsável pela segurança pública e o bem-estar social, tem disseminado a violência contra os cidadãos em várias ocasiões no processo histórico nacional.
Um dos períodos mais violentos da história brasileira foi a ditadura militar, em especial a partir do decreto do Ato Institucional número 5 (AI-5), que, entre outras arbitrariedades, anulou o direito da pessoa. Com a suspensão da validade do habeas corpus, as autoridades passaram a resolver os conflitos sociais por meio da pedagogia do chumbo e do cárcere. Isso significa que a soberania militar colocava-se fora da lei e, de acordo com a expressão de Foucault (1976), tinha o "direito de vida e de morte" sobre aqueles que insistiam em manter acesa a chama da liberdade de expressão e de convicções ideológicas.
Assim, a "revolução" dos militares e de seus articuladores "intelectuais" baniu do País pessoas que resistiam à perda da democracia. Para os militares, o processo instaurado por meio do tratamento de choque, da repressão e da tortura era uma forma de garantir a democracia ameaçada pelo comunismo. Mas o último dos presidentes da linhagem militar, João Baptista Figueiredo, parece ter entendido o período conturbado de seu governo e estava disposto a restaurar a ordem democrática, ao afirmar: "Hei de fazer deste País uma democracia, e quem for contra eu prendo e arrebento".
Por ironia, a "democracia" foi restabelecida com o perdão dos torturadores, condição posta para anistiar os exilados políticos. Mas reacende-se, na atualidade, a discussão sobre a impunidade dos torturadores, polêmica que coloca, inclusive, integrantes da elite intelectual contra a abertura de processos que incriminariam militares da época. A visão desses intelectuais pode ajudar a entender o motivo de haver no País tantos defensores da política dos ditadores, os quais, com o pensamento inflado, se orgulham de ter vivido a experiência da aplicação da disciplina, associando-a ao desenvolvimento econômico que ampliou os empregos nas cidades. Esses defensores não explicam ou ignoram que houve neste período uma concentração de riquezas e o aprofundamento da desigualdade social.
Poderíamos perguntar o que, efetivamente, aprendemos com a experiência da ditadura militar. Aqueles que não estavam engajados em movimentos sociais, que não foram confundidos com comunistas e que assimilaram passivamente as propagandas em favor do "progresso do Brasil" promovido pelos governos militares, certamente têm uma visão positiva do período, pois dificilmente estariam dispostos a imaginar outras possibilidades históricas.
Quarenta anos são suficientes para banir os efeitos da ditadura militar? O que é a violência policial senão uma herança do tratamento dispensado aos cidadãos caçados de seus direitos? Se na época um cidadão fosse suspeito de ter ligações com o comunismo, o seu destino estava selado. Hoje, não é muito diferente a maneira com que os policiais lidam com os cidadãos suspeitos de serem bandidos: atiram. E não importa se é criança, adolescente ou adulto. Portanto, o cidadão continua correndo risco, não mais por ser considerado comunista, mas por ser confundido com bandido.


Valdete Daufemback

Mestre em história cultural e professora de sociologia


Artigo publicado no Jornal A Notícia.

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