terça-feira, 10 de março de 2009

Fundamento indispensável

Na semana em que a posse do messias ocupou todas as manchetes, invadiu todas as mídias e instalou em corações e mentes a expectativa de que o planeta será melhor daqui em diante, uma manifestação do papa Bento 16 acabou no rodapé dos jornais e no esquecimento coletivo.
Em nota de poucas linhas, parte da mídia não enlouquecida pela burrice do “novo jornalismo” informou que o papa, em videoconferência, transmitiu ao México mensagem especial aos participantes do 6º Encontro Mundial das Famílias, em que afirma que a “família continua o fundamento indispensável para a sociedade” e é “bem insubstituível para os filhos”. No mundo em desagregação em que vivemos, valores fundamentais para o ser humano continuam em processo de desintegração. O mal-estar da modernidade nunca foi tão pesado, ampliando o sentimento de desamparo e solidão de milhões.
A crise do capitalismo, a deterioração da política, a dissolução do sagrado, a incongruência da arte, a escalada da violência (nas ruas e no interior das habitações), o esvaziamento da ética, a crise do nacionalismo e o fim da pátria, como valores que justificam sacrifícios ou simbolizam honra, deixam o homem moderno sem referência, sem bússola e horizonte. Tudo, agora, é global, público e efêmero, destituído de valor, de perenidade e transcendência.
No vazio da modernidade, um valor imperativo se renova e se mantém – o da família. Em qualquer lugar do planeta, a família tem se afirmado como “bem insubstituível”, apesar das reconhecidas mudanças de perfil que a instituição tem sofrido no último meio século. Na era da globalização, é na vida privada e na vida familiar que o homem do século 21 encontra a fonte generosa de proteção e abrigo. Luc Ferry, ex-ministro da Educação da França, é autor de livro interessante sobre o assunto: “Família, Amo Vocês” (Objetiva, 2008). Nele, o filósofo mostra como a família reconstrói a individualidade na sociedade globalizada em que vivemos. A família, mais que um “bem essencial”, é, de fato, o “fundamento indispensável” para a reconstrução do humanismo. É na família, aliás, que o homem se realiza em plenitude. Não será na glória efêmera do pódio esportivo, na riqueza material do empreendedorismo ou na transcendência de qualquer manifestação artística. O mundo está cheio de exemplos nada edificantes de gênios empresariais, artísticos e esportivos arruinados em suas vidas privadas e familiares. A transcendência da vida privada, como na Grécia antiga, no apogeu da cultura helenística, constitui não só o legado maior do indivíduo, mas sua obra de arte. Só nela se alcançam o equilíbrio e sabedoria da vida superior, daí suas exigências múltiplas e continuadas. Ela exige renúncia e comedimento; humildade e silêncio, valores desprezados na algazarra atual.
A recomposição da família, sua transcendência e essencialidade devem resgatar o vácuo da modernidade, dando sentido e nexo à vida privada. Mais que isso, se opõe à esqualidez moral da vida pública, resgatando no indivíduo o sentimento do privado, do permanente e do transcendente. Não é por outra razão, aliás, que Obama produz esperança e expectativa, porque simboliza para milhões de deserdados o ideal do indivíduo que, apesar das adversidades, manteve valores e não hesita em revelar que ama e tem paixão pela família.
Na contramão das celebridades efêmeras, o indivíduo procura identidade e segurança, valores escassos em qualquer lugar do planeta. Até aqui, o modelo era o americano – da prosperidade sem limite, da riqueza material e do consumo. Aquele modelo acaba de “rachar”, os próprios americanos sabem disso, e o resto do planeta paga a conta, inclusive os brasileiros. Nos últimos dias, a crise deixou mais de 800 mil brasileiros sem emprego. Na reconstrução que vem por aí, a família terá lugar especial, como, aliás, sempre acontece nos momentos difíceis, tanto das nações quanto dos indivíduos. Só por isso, a mensagem do papa não deve se restringir aos rodapés dos jornais. Merece lugar nas mentes e corações dos que não desistiram do amanhã.

Apolinário Ternes

Publicado no Jornal A Notícia

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