sexta-feira, 31 de julho de 2009

Riso e esquecimento

Autor: Jura Arruda

Passa mesmo. O tempo passa para todo o mundo. E todo mundo vai ficando mais lento, mais pesado, mais esquecido. É desse esquecimento que vou falar nas próximas linhas, e também do riso, que riso a gente não se esquece de dar, ou esquece, mas nunca deixa de lembrar que ele existe, sei lá, algo assim.Quero falar do esquecimento que se estabelece nos labirintos da memória, que cavou seu espaço no decorrer de uma vida, minuto a minuto, lenta e insistentemente. Esse esquecimento, Darwin, meu velho, é típico da evolução humana. Esse! E não o que se enrosca no lobo temporal e geneticamente se perpetua para milhões de anos depois deixar de ser anomalia e virar típico do ser humano. O esquecimento que vem com a velhice, Darwin! Esse é o esquecimento da evolução humana, que esse mundo há também de ter linhas tortas, não é?

Veja só minha avó! Já cruzou a linha dos oitenta, tem o corpo cansado e uma diabetes daquelas que horrorizam qualquer gourmet, doencinha sem-graça que tira bastante do paladar da vida, do doce da vida. Minha avó, Darwin, tem o dom de esquecer algumas coisas. Não, Doutor Alzheimer, não tem nada a ver com o senhor, os esquecimentos de minha avó são genialmente escolhidos por ela, ou por seu inconsciente. Basta que falemos a ela de uma época ruim ou de alguém cujas lembranças são dolorosas, e ela, com o doce olhar de quem já viu muito, mas não cansa de olhar, murmura com delicadeza: “Não aconteceu isso”. Para em seguida levantar a voz e deixar seu sotaque interiorano se revelar em frases como “você está louco!” ou “Imagina que isso aconteceu? O sangue de Jesus tem poder!”

Entre risos e abnegações, deixamos o fato no esquecimento para trazer à tona eventos bem mais remotos, mas que por trazer felicidade ela não se esquece de jeito nenhum. “Vó, como a senhora se lembra disso? Faz tanto tempo!”. E a voz suave e casual volta a sair de seus lábios marcados, “Eu lembro, ué!”.

O tempo passa. Passa mesmo. Passa para todo o mundo. E todo mundo vai ficando mais lento, mais pesado, mais esquecido... Mais evoluído. De tristeza os jornais estão cheios e a vida não nos poupa. Quem precisa recordar? Minha avó, evoluída, linda e lúdica sabe disso, sabe que nenhuma dor merece replay. Estou na metade do caminho, vovó Tere, mas estou aprendendo com você a também esquecer um pouco.

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